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  • Writer's pictureMarina Vergueiro

Papai e eu



Nunca publiquei esta foto por medo de ser humilhada com comentários maldosos, mesmo que não fossem postados nem por mim escudos. Esta foto com meu pai é um dos dias mais felizes da minha vida como filha dele, mas a gordofobia nunca me permitiu adorá-la e mostrá-la com o orgulho que sinto. Hoje, a gordofobia perdeu.

Aqui, papai e eu posamos na placa do vilarejo em que nossa família morava em Portugal antes de migrar para o Brasil há alguns séculos. Foi nossa primeira e única viagem juntos só nós dois em que passamos da alegria sublime a tretas intensas e insuportáveis. Foram 15 dias percorrendo a península ibérica rachando o bico e brigando. Não foi fácil, mas foi uma delícia. Eu gosto de ter momentos de um a um com as pessoas que eu amo, pra nutrir nosso sentimento e podermos nos aprofundar nos relacionamentos. Com meu pai, isso sempre foi um grande obstáculo porque a gente pensa e é totalmente diferente. Mas quando minha mãe morreu, eu decidi que não iria correr o risco de que meu pai morresse antes da gente acertar nossa relação e poder nos curtir de maneira leve e divertida. Chegamos neste ponto, finalmente. Mais de 10 anos se passaram, muitos conflitos e desaforos, hoje a gente só se curte.


Ele foi a pessoa que mais me incentivou a escrever na vida e, como meu maior fã, ele tem absolutamente tudo guardado, todos os textos que escrevi a partir da alfabetização. Aos 7 minha redação de escola questionava o sistema econômico brasileiro e a mudança excessiva de moedas; aos 9 eu critiquei o capitalismo selvagem do Natal; aos 17 eu peitei um militar da ativa nas cartas dos leitores do jornal sobre a participação do exército brasileiro no Timor Leste; aos 32 eu pedi pro meu pai me acompanhar numa manifestação em favor do SUS e do programa de hiv/aids (ele foi). Meu pai, no geral, discorda de todos os meus posicionamentos (desconfio que na maioria das vezes apenas pelo gosto de me contrariar), mas ele NUNCA podou minha identidade nem tentou me adequar ao que ele achava ser o ideal, pelo contrário, papai sempre me apoiou a ser quem eu sou.


Mesmo a gente brigando por causa do inominável, ele é o primeiro a abrir um sorriso no rosto quando eu falo que eu tenho um poema novo, mesmo este poema tendo uma linguagem que ele não gosta. Papai odeia palavrão. E hoje em dia, ao invés de exigir liberdade de expressão, eu realmente me esforço para não falar palavrão na frente dele. Eu amo meu pai e ainda acho que eu salvei a vida dele este ano em janeiro apenas para ele salvar a minha todos os dias desde que ele se recuperou de covid.


Não acho que seja sorte ter um pai assim, porque sei que nosso encontro vem de outras vidas e aqui estamos novamente pra aprender alguma coisa que não sei exatamente o quê, mas com certeza tem a ver com aceitar as pessoas que a gente ama do jeito que elas são. E pra isso não é preciso abaixar a cabeça e obedecer. Se tem uma coisa que eu nunca mais fiz depois dos 18 anos é obedecer o meu pai (e o que ele mais odeia em mim, certeza!) e isso nos causou muitos conflitos, mas é possível nos amarmos sem nos tolhermos.


Meu pai me ensinou isso e também que o silêncio que dói eu posso transformar em poesia!

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