Cansa demais repetir a mesma coisa há 40 anos, mas a gente segue forte pra ver se entra na cabeça de vocês de uma vez por todas: NÃO EXISTE GRUPO DE RISCO para a Aids. Se você trepa, você é o público-alvo do hiv e ponto!
O estigma, o preconceito e a falta de informação são os responsáveis pelas mortes por Aids. O governo federal dá aquela ajudinha extra destruindo as pautas e canais de informação sobre ISTs por achar que isso é “ideologia de gênero”, mas é a famosa necropolítica mesmo.
Afinal, como já sabemos também, o vírus do HIV não mata mais, desde que a pessoa esteja em tratamento. Mas e quem não tem acesso ao tratamento? Ou não tem acesso a comida pra forrar o estômago pra receber o tratamento?
Em 4 décadas, a ciência contornou a doença, mas a sociedade continua se comportando de maneira lamentável e arriscada, desnecessariamente.
Só me assumi como uma pessoa LGBTQIA+ quando a aids bateu na minha porta. Ainda assim, alguns anos depois, somente, pois fiquei um bom tempo me relacionando apenas com o medo imensurável do estigma e do preconceito e as paranoias da minha cabeça, crendo piamente que eu era uma pessoa destinada a nunca mais amar, beijar, gozar e, o pior de tudo, fadada a nunca mais escrever poemas de amor e alegria. O vírus hiv, antes de atacar nosso sistema imunológico, ataca nossa sanidade mental, nossa saúde emocional, nossa dignidade e nossa honra. O hiv, enquanto rendia meus pulmões à uma infecção oportunista por causa da aids, estraçalhou por completo os resquícios da minha auto-estima soterrada por décadas de gordofobia. Eu me entreguei a esse vírus por uma paixão cega, por uma projeção de fantasias românticas muito bem costuradas no meu inconsciente pelo patriarcado e sua monogamia e heteronormatividade compulsória (que só é aplicada pelas mulheres dentro dos relacionamentos HT, sabemos!), por inconsequência de minha parte, por achar que não iria acontecer comigo, por ter medo de enfrentar um simples teste rápido de sorologia, mas, principalmente, por falta de amor à mim mesma. Pois nunca me ensinaram - sem pregar o medo e a culpa - que cuidar dos meus afetos e minhas transas era também me amar e respeitar minha saúde e meu corpo. Cresci com a “peste gay” dos anos 80 protagonizando meus pesadelos desde o dia em que, aos 7 anos, vi minha mãe estacionar o carro para chorar a morte de Freddie Mercury que era anunciada na rádio enquanto íamos buscar minha irmã na escola.
Corta pra 2012. Quase morrer de aids não foi fácil, mas me trouxe um conhecimento e um acesso mais direto e sensível à minha intuição. Entender a minha sexualidade e colocar em prática relações sexuais saudáveis foi um dos melhores presentes que este vírus me deu, entre tantos outros. Pude, finalmente, me entregar aos meus desejos físicos e afetivos por outras mulheres e experimentar os melhores momentos de intimidade e prazer da minha vida.
Corta pra 2021. Que a Parada de SP este ano tenha dedicado o tema à hiv/aids era mais do que esperado e justo há 26 anos em que ocorre o evento. E mesmo que o movimento pelos direitos humanos da comunidade LGBTQIA+ esteja intrinsecamente ligado à história da aids e de nossa luta por acesso gratuito ao tratamento e à educação sexual e afetiva, ainda sofremos grande preconceito dentro da comunidade, principalmente porque as maiores vítimas são pretos e pobres - e as gays rykas acham muito bad vibe falar de aids - nem falar o racismo. Mas, é isso, a aids é também uma ferramenta de extermínio de corpos dissidentes, embora atinja a todo e qualquer ser humano que simplesmente trepe. Portanto, se liga! Já faz 40 anos que vivemos uma epidemia e ainda estamos tendo que ensinar que hiv não é igual a aids, que hiv não passa por toque ou beijo e que quem faz o tratamento é intransmissível sexualmente. Já deu!
ps: na foto, poso ao lado das maravilhosas companheiras de luta e ativismo Roseli Tardelli (esquerda) e Dindry Buck (direita) após finalizar os trabalhos da Agência Aids durante a Parada LGBTQIA+ de SP com o Camarote Solidário virtual.
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